Sobre heróis e mestres

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Sobre heróis e mestres

Joseph Campbell

Foi ainda quando adolescente que assisti pela primeira vez a série de entrevistas que Joseph Campbell concedeu ao jornalista Bill Moyers sobre “O Poder do Mito”. Fiquei encantada, instigada e ávida por conhecer mais sobre a mitologia e tudo que se relacionava às narrativas míticas. Ali nasceu um amor, não só pelo tema, mas também pelo professor que me inspirou e continua sempre a me acompanhar, servindo como modelo e referência.

Mais de trinta anos se passaram e nunca abandonei sua mensagem tão relevante: “Follow your bliss”, traduzido como “Siga sua bem-aventurança”. Foram muitos percalços em minha vida onde consegui encontrar nesta frase uma saída para meus problemas de relacionamentos e carreira profissional. Tive o privilégio de agradecer pessoalmente à sua esposa, Jean Erdman Campbell, em ocasião de uma visita ao Brasil, ainda nos anos 90, agradeci por tudo que Joe representava para mim e por todas as portas que ele me abriu. Participei por anos de um grupo de estudos de sua obra na Associação Palas Athena em São Paulo. Nosso grupo teve o privilégio de recepcionar e participar de encontros especiais com Jean Campbell e Robert Walter, que foi amigo e preside a Fundação Joseph Campbell até hoje. Alguns anos atrás tive a alegria de reencontrar Robert Walter e pude, mais uma vez, agradecer por sua dedicação em manter viva a história, o acervo e a sabedoria de Campbell. Foram momentos inesquecíveis que estão gravados em meu coração para sempre.

Robert Walter e Regina Proença em 2018

O estudo da mitologia me levou aos estudos de Filosofia, Religiões Comparadas, Símbolos, Sonhos, Cinema, Ética, Não-violência, Meditação, Arte e muito mais. Acabei realizando, em 2014, minha dissertação de mestrado baseada na “Jornada do Herói”, aplicando as etapas da jornada espiritual e fazendo uma análise da trajetória do místico religioso João de Camargo que viveu na cidade de Sorocaba. Para mim foi um duplo tributo – primeiro, ao meu mestre querido Joe Campbell, e segundo, a Nhô João, de quem sou muito devota.

Estudar sobre os mitos, sobre a jornada do herói e heroína, é uma forma de aprofundar a visão que temos do mundo. Quando percebemos a dinâmica oculta que está presente em nossas vidas e, mesmo alheia ao nosso conhecimento, norteia muitas de nossas posturas em relação ao que consideramos sagrado, profano ou transcendental. Encontramos ressonâncias entre aquilo que buscamos para nos auto-realizar e as etapas da jornada do herói de Campbell. Ainda temos muito o que aprender sobre a jornada da heroína, que tem sido compreendida e aprofundada em estudos mais recentes e que guarda suas peculiaridades (não se tratando apenas de uma versão feminina do herói, mas como uma jornada que contempla outras etapas, outros objetivos, mas que nos leva à redenção e autoconhecimento igualmente).

Assim, para melhor entendermos as metáforas encontradas nos mitos de uma sociedade, é necessário compreender sua função. A primeira função do mito é a mística, ela abre sua mente para uma dimensão do mistério, para uma expansão de consciência e a vivência do espanto diante do universo e sua própria existência. A segunda função é a cosmológica, da qual a ciência se ocupa. Buscamos as respostas para a origem e o funcionamento de todas as coisas e nos deparamos mais uma vez com o mistério e nossa incapacidade de encontrar as respostas finais. A terceira função é a sociológica, que apoia e reafirma a ordem social. Encontramos os mais diferentes mitos que validam a posição social em determinado local, podendo variar muito de lugar para lugar. A quarta função do mito e a mais vital é a de criar um centro e revelar ao indivíduo, com integridade, sua relação de participação: dele próprio (microcosmo), em sua cultura (mesocosmo), seu lugar no universo (macrocosmo), bem como e fundamentalmente este espantoso e último mistério que está simultaneamente fora e dentro dele e de todas as coisas. Trata-se da dimensão do divino e do transcendente.

Nada sabemos e nada pode ser dito sobre a Divindade. Tentar definir o Absoluto é uma impossibilidade da razão. Tudo o que conseguimos dizer sobre esta dimensão de que participamos é uma redução ao “tamanho” do discurso possível, e sempre terá a medida do homem que o pensa. No entanto, a vida é um convite para a contemplação do mundo e de toda beleza que dele transborda. Para tanto, buscamos nas metáforas dos mitos uma possibilidade de plenitude possível, antes que as emoções corrosivas do ceticismo tomem conta de tudo.

Mitos são histórias sem tempo e sem espaço que narram nossa própria história. Cada indivíduo, segundo suas necessidades e inclinações, pode agregar-lhes o tempo e o espaço que for conveniente para se reconhecer nelas. Encontramos no cânone mitológico uma organização de símbolos, inefáveis em sua importância, pelo qual as energias inspiradoras são evocadas e concentradas em direção a um foco. É importante buscarmos nessas antigas fontes a relevância das experiências e iniciações que envolvem não só a manutenção social, mas também categorizam a evolução espiritual de cada indivíduo, revelando assim sua missão no mundo e seu lugar na sociedade, onde seus dons e habilidades podem ser benéficos a si próprio e a sua comunidade.

Faz-se necessária uma abertura de nossa mente em direção ao desconhecido, a uma dimensão interior que, apesar de tão imediata a nós mesmos, precisamos de recursos metafóricos e simbólicos para alcançar seu significado profundo e realizarmos a missão de nos conhecermos plenamente e sacralizar nossa existência.

Com o intuito de mergulhar no estudo dos mitos e buscar uma experiência que nos abra os portais do inconsciente, do sagrado e da nossa própria mitologia pessoal, estamos criando um grupo de estudos para que, através de encontros regulares, possamos entrar em contato com um panorama de contos, lendas e arquétipos mitológicos encontrados em diferentes culturas e como eles se relacionam com as etapas de nossa vida.

Se você tem interesse em participar deste estudo, entre em contato conosco. Estamos definindo o formato, os dias e horários dos encontros. Escreva para contato@foradacaixacoletivo.com.br

Caso tenha interesse em ler minha dissertação de mestrado sobre o tema, basta clicar aqui.

E como este é o mês de aniversário de Joseph Campbell, que nasceu no dia 26 de Março de 1904, deixamos aqui registrado nossos mais sinceros agradecimentos e que a luz de nossas preces o alcance, onde quer que ele esteja! Seu legado será sempre respeitado e revisitado por todos que desejarem aprender sobre os mitos e sua relevância para nosso auto conhecimento!

Para quem quiser saber mais sobre a vida e obra de Joseph Campbell visite a página da fundação: www.jcf.org

Mãos em prece.

Regina Proença

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