AQUARIUS

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Assistir “Aquarius” é se impactar logo nas primeiras cenas.

Kleber Mendonça sabe tudo de “mise-en-scène”.

Os elementos que captura no quadro soam verdadeiros.

Aliás, assim me soou o filme: verdadeiro.

Sabe dirigir atores e atrizes como poucas vezes pude constatar no cinema brasileiro.

Quero, contudo, chamar atenção acerca do que o filme tem de melhor.

A segunda cena (a festa de aniversário da tia Lúcia) me foi tão impactante que supus, inclusive, que o filme já atingira o ápice e não poderia mais se recuperar (o que seria um erro do Kleber).

As melhores cenas são aquelas que “reforçam” que Clara (a protagonista vivida por Sônia Braga que, como última moradora de um velho edifício cobiçado por grande construtora/incorporadora que pretende demoli-lo para soerguimento de mais um espigão na bela Praia de Boa Viagem) pertence ao núcleo familiar.

Naquela em que os filhos, constrangidos, a visitam para dizer-lhe que o melhor seria vender o apartamento, somos como que inseridos no espaço em que a cena se desenrola, com a filha (atriz maravilhosa essa MaeveJinkings !!!) confessando, constrangida, que fôra procurar aqueles que pretendem comprar o apartamento.

Ou naquela outra em que o sobrinho, com a namorada que veio do Rio de Janeiro, testemunham a família revendo fotos e, lá pelas tantas, a Ladislene (empregada doméstica da personagem Clara) aparece com a foto do filho que morreu num acidente em que o culpado estava alcoolizado.

O tempo todo o filme nos lembra de que há um tempo que já passou.

Desde o início.

Não há mais beira mar sem espigões, ouvir música em plataforma física soa antiquado ou vintage, a trilha está sempre em descompasso com o que acontece e se ouve atualmente (exceção feita ao início do filme), a foto que se guardava na carteira agora está armazenada no celular de última geração, a relação amistosa entre a burguesa intelectual e o porteiro que recebe um pedaço do bolo da festa de aniversário não existe mais.

Kleber não perde de vista, entretanto, a luta de classes que segue existindo como que fora das ideologias “ultrapassadas” (será ?), e que insiste em nos dizer que as cidades foram divididas em zonas demarcadas para que ricos e pobres vivam separados.

Mais do que zonas demarcatórias geográficas (como a praia que a partir de determinado ponto é região dos pobres), as relações entre as pessoas são igualmente zonas bem determinadas de atuação.

Achei o máximo quando o cínico engenheiro (aliás, como este jovem ator global Humberto Carrão está bem no papel do “vilão”, com sua expressão absurdamente risonha e indiferente a um tempo só) lembra Clara de que ela é branca, rica, burguesa e demais adjetivos dos quais ela acusava-o.

O ponto fraco do filme é a direção da atriz Sônia Braga.

Teria Kléber Mendonça se acovardado ante a estrela que atualmente mora nos Estados Unidos ?

A protagonista poderia render muito, mas muitíssimo mais com todos os paradoxos envolvidos em sua complexidade (a doença, a viuvez, a difícil relação com a filha, o preconceito daquele que se interessou por ela mas desistiu ao saber que ela só tinha um seio, a transa com um garoto de programa, a obsessão em lutar contra a “força da grana que ergue e destrói coisas belas”, a imensa dificuldade em ser moderna quando o assunto é “família”, etc)

O filme é irregular no limite em que poderia ser um mau filme.

Sustenta-se numa zona em que mantém-nos o interesse pelo desfecho da estória.

E este não poderia ser melhor.

A exemplo do que já ocorrera em “O Som Ao Redor”, Kleber Mendonça lava a alma dos brasileiros que não se conformam com os cupins que corroem, há anos, as estruturas de resistência do país.

As estruturas de poder, contudo, são as mesmas.

Na Recife ensolarada de nossos dias, os velhos coronéis do sertão foram substituídos por seus herdeiros que agora vivem na urbe e cujo objetivo primeiro e último são os “business”, como arrogantemente o vilão engenheiro explicita para a resistente Clara.

Os cupins, contudo, podem se virar contra os interesses daqueles que os perpetuam com ações ridiculamente ambiciosas…
A cena final com a personagem Clara “peitando”, se me for permitida a ironia para com a mulher de um peito só, os poderosos de plantão tem a tensão da dialética que culmina numa catarse momentânea…
É de aumentar o batimento cardíaco…
Um belo filme !!!

Luiz Carlos Andrade Santos

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