O Líder como espelho

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Quando seguimos um líder, não o fazemos por obrigação ou conveniência. É sempre o resultado de uma escolha, afinidade ou desejo de alcançar o mesmo nível moral que ele(a) possui. Estamos cientes de que nossas ações, por vezes, não alcançam o mesmo patamar de comprometimento ou abnegação dos verdadeiros líderes, porém nos mantemos ao seu lado  porque queremos desenvolver as mesmas qualidades que eles têm. 

Hoje, a palavra “líder” está um tanto gasta – somos confundidos por políticos, religiosos, gestores e coaches que desenvolvem projetos empresariais de “liderança” que mais parecem uma versão barata de “como influenciar as pessoas” e levá-las a agir como a empresa, partido ou igreja deseja, sem muita reflexão ou contestação, numa forma de manipulação disfarçada. 

Quando o poder é utilizado em benefício próprio, visando apenas interesses pessoais e não levando em conta os que pensam diferente ou seguem outros caminhos, há uma desmoralização do líder, pois autoritarismo é bem diferente de liderança

Em nosso país, o presidente dá exemplos diários de como não se comportar como uma autoridade de Estado, minimizando os deslizes, arrotando bobagens e tendo um comportamento que espanta até mesmo os que um dia acreditaram que ele seria diferente de todos os “outros”. De fato, ele é diferente, mas não da maneira que muitos projetaram. O poder apenas revelou o quanto se trata de uma pessoa arrogante, mal preparada e bruta. Se ele estivesse na minha casa, eu não daria nem o controle remoto da televisão para que ele controlasse, quanto mais uma nação. Ele realmente me surpreendeu, não porque tenha votado nele pois não o fiz, mas a cada dia percebo o tamanho do buraco que estamos entrando. Uma lástima! 

Temos vivido momentos tensos, com o número de leitos insuficientes para os que precisam; as pessoas, na tentativa de obter recursos, se expõem nas ruas e o índice de isolamento despenca nas grandes cidades. Ao invés de nosso “desgovernante” manter uma postura em prol da proteção das pessoas, ele está mais preocupado com os resultados negativos da economia. Claro que isso nos preocupa, sem trabalho não há arrecadação e sem dinheiro fica difícil manter as contas e a sanidade mental do povo, mas a preocupação com a saúde e a continuidade da vida deve ser mais importante. 

A “liderança”, no âmbito religioso, é ainda mais maligna, vemos como pastores manipulam e distorcem os ensinamentos bíblicos ao ponto de fazer com que os pobres “seguidores” doem enormes quantias em dinheiro em busca de curas milagrosas para depressão, câncer e até coronavírus. Doenças que comprovadamente não possuem uma cura ou tratamento que não seja baseado na ciência. Não consigo entender como estes pastores não são enquadrados como criminosos, pois vender algo que não existe é uma fraude e isso não deveria passar impunemente. Não podemos culpar a religião pois ela apenas dá o tom, mas não determina o caráter. As escrituras, os sutras e o alcorão oferecem ensinamentos espirituais preciosos se você tiver um bom coração. Compaixão, generosidade, desapego, cuidado e justiça podem ser realizadas por qualquer ser humano, independente de serem “cristãos” ou não. Budistas, muçulmanos, sikhs, ateus ou qualquer um, podem realizar grandes coisas e favorecer o desenvolvimento da humanidade através de suas ações.

O mundo todo está passando pelas mesmas angústias. Devido à pandemia, todos teremos que rever o modo que atuamos em sociedade; não há soluções mágicas e rápidas, ainda levaremos meses para relaxarmos e criarmos um novo modo de operar em público. Ignorar os fatos e fingir que está tudo sob controle com certeza só trará prejuízos em todos os setores. 

Confesso que, ao ver as declarações do presidente (que, no caso, não posso chamar de líder), sinto que ele desperta (pelo menos em mim) aquilo que temos de pior em nós mesmos: a raiva, o antagonismo, a indiferença e truculência. Simplesmente o contrário do que deveria inspirar, pois suas atitudes deveriam servir de modelo para nos tornarmos melhores do que somos. 

Quando vejo sua figura tosca, vomitando asneiras com palavras de baixo calão, me embrulha o estômago. Suas manipulações no sentido de proteger membros de sua família que cometeram crimes e desvios de conduta fazem brotar em mim sentimentos indignos de minha pessoa, me pego desejando que ele e toda sua família sejam contaminados, humilhados e banidos do poder. Ensaio mentalmente todas as coisas que gostaria de lhe dizer, confesso que minhas palavras não são nada leves e isso faz com que eu me sinta pior ainda pois acabo por me assemelhar aos que estou criticando. O filósofo Nietzsche já salientava este fato: “Aquele que luta com demônios deve acautelar-se para não tornar-se um também. Quando se olha muito tempo para o abismo, o abismo olha para você”. Por isso, evito, ao máximo, assistir seus pronunciamentos, me protegendo para que o pior que há em mim não venha à tona e não corra o risco de cair em meu próprio conceito, pois não há, em mim, possibilidade de compaixão ou misericórdia em se tratando dessa família. 

Sei que nosso problema político vem de longa data – desde que comecei a votar nunca encontrei ninguém que me representasse; acho mesmo que nunca terei políticos de estimação, todos acabam sendo decepcionantes antes, durante e/ou depois de seus mandatos.

A forma como a Educação, Cultura e o Meio Ambiente estão sendo tratados também me preocupa – o que dizer do Ministro da Educação? Como dizer que as oportunidades para os alunos que prestarão a prova do ENEM este ano serão baseadas em meritocracia quando os alunos da rede particular estão tendo aulas online e os da rede pública mal têm acesso a wi-fi e nem pacotes de dados suficiente (caso fossem oferecidas aulas de boa qualidade neste período de isolamento)? Quem será que terá as melhores notas? Quem será que vai “garantir” sua vaga em uma universidade pública? Só alguém que não conhece a realidade brasileira pode achar que está  tudo bem.

O Ministro do Meio Ambiente, ao invés de proteger nosso patrimônio cultural, as riquezas naturais, os indígenas, a diversidade de plantas e animais, entrega tudo de mão beijada aos garimpeiros, madeireiros e todo tipo sórdido de explorador. As consequências destas escolhas serão sentidas por gerações.

Setores tão importantes para o desenvolvimento dos cidadãos estão sob a direção de pessoas insensíveis (para não dizer surtadas, como no caso de Regina Duarte), que nada promovem de bom e sério. Sem apoio, sem recursos e tratada com descaso, a classe artística sofre. Apesar de tantas “lives” que entretêm os que estão em isolamento social, os artistas não recebem por isso e entregam seu talento de graça para não serem esquecidos. Só há espaço para sofrência e porcarias. Enquanto isso, o país está um caos, mas ninguém quer perder seguidores e continuam infinitamente a dizer nada e fazer menos ainda. Sinto falta das bandas e compositores que coloquem suas críticas sobre o estado das coisas, que promovam reflexões ou pelo menos demonstrem sua insatisfação. Que falta fazem Cazuza, Renato Russo, Raul Seixas entre outros, artistas que vomitavam com elegância e inteligência tudo aquilo que não concordavam. Davam voz e esperança aos nossos corações, cansados de tanta babaquice. 

O artigo/desabafo está no fim, mas a história não perdoará aqueles que se omitirem neste momento tão crítico para o futuro de nosso país. Se você não concorda com o rumo que estamos indo, use sua voz, se expresse, não seja conivente com as barbaridades. Não precisa ser estúpido e nem usar a força para abrir os olhos daqueles que não querem ver. Isso apenas aumentaria sua frustração. Como o filósofo grego Heraclito diria: “Acordados, eles dormem.” Não basta mostrar, desenhar ou argumentar. É preciso viver aquilo que se acredita, “ser a mudança que desejamos ver no mundo”, como diria Mahatma Gandhi. Temos que ser justos e coerentes, tentar manter a lucidez em meio a tanta loucura e esperarmos com paciência por dias melhores. Passada a tormenta, precisaremos de pessoas de bom coração e discernimento para juntar os pedaços dos que estiverem vivos. Espero que você seja um deles!

Sigamos juntos, unidos e fortes. 

Regina Proença

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